No mês da consciência negra, certificações quilombolas avançam!

As titulações colocam os quilombolas no mapa social e político do Brasil

Sábado próximo (23) acontece uma das mais significativas atividades de celebração do Mês da Consciência Negra, no Parque Memorial Quilombo dos Palmares, em Serra da Barriga: a entrega de certificações a comunidades quilombolas, pela Fundação Cultural Palmares.

Isso porque a certificação não é um mero documento, ou um título formal, mas um passaporte cidadão para um dos grupamentos que mais sofrem os efeitos do racismo: os quilombolas – rurais ou urbanos. E ao oficializar o domínio de seus territórios, o Estado abre o acesso dessas comunidades a inúmeros direitos.

Desde o início de sua missão, a Palmares certificou mais de 3.000 comunidades e, em 2024, intensificou o processo, com a meta de alcançar 172 novas titulações até o fim do mês – um passo significativo para a garantia de permanência em seus territórios e a preservação de seus hábitos culturais, entre outros.

VIOLÊNCIAS. Os quilombos, antes refúgios para negros que escapavam da escravização, tornaram-se redutos da cultura afro-brasileira, onde são cultivados saberes e práticas ancestrais. E diante de ameaças e violências motivadas pela especulação imobiliária, a titulação surge como um escudo de proteção.

Para a Fundação Palmares, certificar um quilombo é cumprir o compromisso com uma memória coletiva que foi silenciada por séculos. É também abrir portas para que entrem nas comunidades políticas públicas essenciais para o bem-estar, como saúde, educação, crédito rural e segurança territorial.

RESGATE. O próprio processo de certificação é em si um resgate, uma vez que cada quilombo é convidado a registrar e compartilhar sua trajetória, ou suas memórias – memórias de formação do quilombo, de luta e de tradição. A diretora do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Palmares, Flávia Costa sintetiza:

– É o resgate de um direito inegociável de cidadania e de reconhecimento cultural.

Essas narrativas revelam que cada quilombo é um guardião da identidade afro-brasileira, esboçando um retrato da história negra no Brasil, que, infelizmente, ainda tem dificuldade de reconhecer o papel quilombola na construção de sua diversidade cultural e social.

AVANÇO. Por todos esses motivos, a intensificação das titulações é comemorada por João Jorge Rodrigues, presidente da Fundação Palmares, para quem “foi um passo histórico”, que uniu a sociedade civil, o governo e os quilombolas, num processo enriquecedor e produtivo.

– Ver os quilombolas em diálogo com o governo, reafirmando que essas comunidades são protetoras do meio ambiente e da cultura, foi inspirador.

João Jorge vê essa conquista como uma “nova abolição”, uma abertura para o acesso a direitos que a lei de 1888 não proporcionou. Com cada certificação, uma comunidade quilombola torna-se visível e ocupa seu espaço legítimo no mapa social e político do Brasil.

DIGNIDADE. A titulação tem de fato mudado a vida das comunidades. Ao oferecer segurança territorial, por exemplo, ela abre portas para o turismo comunitário e a agricultura sustentável, permitindo que os quilombos fortaleçam práticas tradicionais e criem novas fontes de renda, como pontua Flávia Costa.

– A população quilombola quer comida, educação, saúde, direito de ir e vir com segurança e dignidade.

O processo corrige a invisibilidade histórica dos quilombolas, colocando as comunidades no lugar que merecem no espaço público e nas políticas sociais. Como opina Alan Matos, coordenador de projetos, “é um reconhecimento da história e da cultura de comunidades que, por muito tempo, foram esquecidas.”

PRIORIDADE. No Mês da Consciência Negra, a Fundação Palmares coloca a certificação como prioridade nacional, porque para que o Brasil avance na construção de uma sociedade mais comprometida com o outro, é necessário garantir a seus povos tradicionais o direito à cidadania.

Cada nova comunidade certificada é uma página de uma história que há muito esperava ser contada. Os quilombos mantêm viva a memória de um povo que persiste e exige ser ouvido. Para João Jorge, essa luta pelo reconhecimento é também uma defesa da brasilidade:

– Os quilombos oferecem ao país a proteção ambiental e uma cultura intacta. E é cultura afro, é cultura brasileira, é cultura popular.

Esse processo demonstra que o Brasil começa a enxergar e honrar suas origens, mas a violência contra essas comunidades ainda é uma realidade alarmante. Em quatro anos, 32 quilombolas foram mortos, como revela estudo realizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras, Rurais e Quilombolas e Terra de Direitos.

MÃE BERNADETE. São dados que escancaram um cenário cruel e injusto. O caso mais recente, o assassinato de Mãe Bernadete, líder quilombola, deixou o País em luto. Conhecida por denunciar a invasão de terras e a violência que sua comunidade enfrentava, a ialorixá baiana foi executada com vários tiros.

Comparando os dados com o levantamento anterior, que cobria de 2008 a 2017, a média anual de assassinatos praticamente dobrou, passando de 3,8 para 6,4 por ano. A maioria das mortes ocorre em estados como Maranhão, Pará, Bahia e Pernambuco, onde a disputa por terra e a violência de gênero são causas recorrentes.

COMPROMISSO. De acordo com o estudo, 70% dos casos têm raízes em conflitos fundiários ou no feminicídio, e mais: 69% dos assassinatos ocorrem em territórios sem título, demonstrando a urgência da certificação das terras quilombolas como um caminho de proteção.

Enfim, a Fundação Cultural Palmares reafirma seu compromisso de proteger a vida e os direitos dessas comunidades. Não apenas por meio da emissão de certificações, mas da luta para que, com elas, e para além delas, a cidadania plena seja assegurada em cada quilombo do País.

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Fonte: Fundação Cultural Palmares

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