Flores para Virginia Woolf: romance “Mrs. Dalloway” completa 100 anos

Publicado em 1925, o mais conhecido livro da escritora britânica será tema de debates na USP no dia 6 de junho

Nos anos 1920, numa manhã de junho, Clarissa Dalloway saiu para comprar flores em Londres, na Inglaterra. Assim começa o romance Mrs. Dalloway, o livro mais conhecido da escritora britânica Virginia Woolf (1882-1941). Publicado pela primeira vez há exatos 100 anos, em maio de 1925, ele será discutido durante o evento Flores para Virginia Woolf – Jornada do Centenário de Mrs. Dalloway, que acontece no dia 6 de junho, sexta-feira, a partir das 9h30, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A entrada é grátis.

Acesse o grupo do WhatsApp do Mutirum e fique por dentro das notícias culturais!

Organizado pelo professor Lindberg Campos e pela professora Sandra Vasconcelos, da FFLCH, o evento vai reunir especialistas na obra de Woolf ligados a diferentes universidades do Brasil e do exterior. A conferência de abertura, às 9h30 do dia 6 – intitulada Impressões de Um Dia de Verão em Londres –, será proferida pela professora Sandra Vasconcelos. Já a conferência de encerramento, às 18h, será dada pela professora Jeanne Dubino, da Appalachian State University, dos Estados Unidos, que falará sobre as traduções de Mrs. Dalloway para vários idiomas – desde o alemão até o urdu – publicadas entre 1928 e 2024. Ao longo do dia, em duas mesas de debates, serão abordados temas como A Escrita Trágico-Cômica em Virginia WoolfEcologia Dissidente em Mrs. Dalloway e Laurence Sterne nos Ensaios de Virginia Woolf, entre outros. No dia 10, terça-feira, às 19h, haverá ainda o lançamento on-line do livro Mrs. Dalloway – The Biography of a Novel, do professor Mark Hussey, da Pace University, também dos Estados Unidos, com a presença do autor. A programação completa do evento está disponível no site da FFLCH.

Um dia de junho em Londres

Expoente do modernismo inglês, Virgina Woolf marcou a literatura do século 20 com propostas experimentais que iam na contramão da produção inglesa da época, segundo a professora Sandra Vasconcelos. Ela afirma que Woolf encontrou seu próprio caminho literário em seu terceiro romance, Jacob’s Room, e o aprimorou em Mrs. Dalloway – seu quarto romance – com o fluxo de consciência que marca o monólogo interno de Clarissa Dalloway.

A protagonista do romance foi criada por Woolf no conto Mrs. Dalloway in Bond Street, publicado em 1923. Nele, Clarissa sai em busca de luvas nos comércios da Rua Bond, hoje conhecida por reunir lojas de grife em Londres. No livro, ela precisa comprar flores para decorar a festa que vai oferecer na mesma noite, na casa de alto padrão em que vive com o marido, Richard, um membro conservador do Parlamento Britânico.

Mulher de cabelos claros.
A professora da USP Sandra Vasconcelos – Foto: Arquivo pessoal

Paralelamente à caminhada de Mrs. Dalloway pela capital inglesa, as badaladas do icônico Big Ben também conduzem o dia de Septimus Warren Smith, um soldado sobrevivente da Primeira Guerra Mundial. Ele carrega as marcas da guerra com um quadro de transtorno pós-traumático, tendo alucinações frequentes, como explica a professora Sandra. “Woolf cria um contraponto entre essas duas personagens que não se encontram no romance. Um não frequenta o mundo do outro, mas é escrito de tal maneira que as vidas deles ficam entrelaçadas.”

No romance, poucas informações são reveladas sobre a protagonista: ela é casada, pertence à alta sociedade londrina, já tem uma idade avançada e enfrenta uma doença. Essa fragilidade física aproxima Clarissa da morte, e sugere que o leitor compare sua situação à de Septimus, tendo em vista as diferenças de classe. A partir dos registros nos diários da escritora, a professora Sandra explica que “Woolf queria, nesse romance, escrever uma história que aproximasse vida e morte, sanidade e insanidade”, tudo isso acessando o mundo interior dos personagens em menos de 24 horas.

O passeio de Clarissa pelas ruas é registrado a partir dos movimentos urbanos, com um ar cinematográfico. O narrador acompanha as badaladas do Big Ben, o movimento dos carros e as ações dos transeuntes simultaneamente com o fluxo de pensamentos da protagonista. Para Woolf, um enredo não deve ser organizado como os vagões alinhados de um trem, mas como uma chuva de estímulos exteriores, compara a professora. “Como fazer sentir a vida pulsando dentro do romance? Esse é o desafio de Woolf em Mrs. Dalloway, e ela faz isso de forma brilhante.”

Granito e arco-íris

Virginia Woolf buscava uma literatura “sutil e ousada o suficiente para apresentar aquela estranha amalgamação de sonho e realidade, aquele casamento perpétuo de granito e arco-íris”, como a escritora afirma no ensaio The New Biography, publicado na coletânea póstuma Granite and Rainbow (1958). Em seus ensaios, ela tecia críticas ao tipo de romance feito em sua época pelos chamados escritores realistas do fim do século 19 e começo do século 20.

Um dos principais pontos de discordância de Woolf com seus contemporâneos era a construção dos personagens. A professora Sandra explica: “Seus narradores estavam muito mais interessados no que se passa no coração, na alma dos personagens. Ela queria, ao mesmo tempo, incorporar as informações sólidas, que chama de granito, e o arco-íris, em especial como o mundo exterior reverbera dentro do personagem”.

Woolf defende esse ponto de vista no ensaio Ficção Moderna, presente no livro Ensaios Seletos, lançado em 2024 pela Editora 34, com tradução do poeta Leonardo Fróes. O livro contém textos como A Morte da Mariposa,  Carta a Um Jovem Poeta e Mulheres e Ficção. Este último foi o protótipo do ensaio Um Quarto Só Para Mim, lançado neste ano, com tradução da escritora Sofia Nestrovski, também pela Editora 34.

Capa de livro com a silhueta de uma mulher.
Ensaios Selecionados e Um Quarto Só Para Mim são lançamentos da Editora 34 – Imagem: Divulgação/Editora34
Capa de livro com a foto de uma mulher.
Ensaios Selecionados e Um Quarto Só Para Mim são lançamentos da Editora 34 – Imagem: Divulgação/Editora34
Capa de livro com a silhueta de uma mulher.
Ensaios Selecionados e Um Quarto Só Para Mim são lançamentos da Editora 34 – Imagem: Divulgação/Editora34
Capa de livro com a foto de uma mulher.
Ensaios Selecionados e Um Quarto Só Para Mim são lançamentos da Editora 34 – Imagem: Divulgação/Editora34

O legado de Woolf

“Virginia Woolf foi uma grande escritora que permanece sendo lida, revista, editada e celebrada”, confirma o professor Lindberg Campos. Para ele, uma das razões da consagração de Woolf é a sua capacidade de colocar em forma literária “um conhecimento acumulado do que é envelhecer, do que seria a natureza da realidade, de como funciona a psicologia humana, os traumas, a ideia da loucura”.

Segundo o professor, a escrita na língua inglesa também facilitou a difusão e a canonização da literatura de Woolf. Entretanto, ele destaca que, “entre os autores anglófonos como Ezra Pound, T.S. Elliot, James Joyce e William Faulkner, ela era mais progressista”. Em sua dissertação de mestrado, apresentada na FFLCH em 2016, Campos analisou a escritora à luz das políticas identitárias. No livro Orlando, por exemplo, a personagem troca de gênero, criando um ângulo narrativo hoje lido como queer. “Virginia Woolf tem uma perspectiva muito mais arejada, aberta, democrática, libertária, sobre as questões que são, hoje, cruciais”, destaca.

Já na sua tese de doutorado, que defendeu em 2022, também na FFLCH, Campos se debruçou sobre As Ondas, um romance modernista mais experimental de Woolf. “O ponto de fuga da arte contemporânea segue sendo as conquistas dos anos 1910, 20 e 30, na Europa. De uma maneira mais ampla, o Modernismo continua sendo muito relevante, e Woolf foi uma das principais artífices do período.”

O livro Mrs Dalloway: The Biography of a Novel, de Mark Hussey, que terá lançamento on-line no dia 10 – Foto: Divulgação/Manchester University Press

O evento Flores para Virginia Woolf – Jornada do Centenário de Mrs. Dalloway será realizado no dia 6 de junho, a partir das 9h30, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (Avenida Professor Luciano Gualberto, 403, Cidade Universitária, São Paulo). Entrada grátis. Não é preciso fazer inscrição. Mais informações e a programação completa do evento estão disponíveis no site da FFLCH.

No dia 10, às 19h, haverá o lançamento on-line do livro Mrs. Dalloway: The Biography of a Novel, de Mark Hussey, com transmissão pelo canal do Laboratório de Estudos do Romance da FFLCH na plataforma Youtube.

Fonte: Jornal da USP

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Precisa de ajuda?